A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou hoje (8) uma nota de alerta sobre o diagnóstico de um caso de infecção por Candida auris (C. auris) em território brasileiro.
O microrganismo foi identificado em uma amostra de ponta de cateter de um paciente internado com Covid-19 em uma unidade de terapia intensiva (UTI) para adultos na Bahia. o diagnóstico foi confirmado pelo Laboratório do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A Anvisa destaca que o fungo “representa uma grave ameaça à saúde global”, e que já havia emitido um alerta de risco anteriormente, em 2017. O alerta foi feito em função de relatos de surtos da doença causada pelo C. auris na América Latina comunicados pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A Anvisa trabalha para revisar o comunicado de risco emitido anteriormente e informa que uma força-tarefa nacional já está organizada. “A Agência está trabalhando para contemplar a nova situação epidemiológica do país, a inclusão de outros laboratórios como referência para a rede nacional e as novas evidências científicas disponíveis. Recomendamos que os serviços de saúde e laboratórios de microbiologia estejam alertas às orientações”, registra a nota.
Análises fenotípicas para verificar o quão sensível ou resistente o microrganismo é ainda devem ser realizadas, bem como um sequenciamento genético. Esses testes serão realizados no Laboratório Especial de Micologia da Escola Paulista de Medicina (LEMI–UNIFESP).
“A Candida auris é um fungo emergente que representa uma séria ameaça à saúde pública”, escreveu a Anvisa. Segundo o órgão, o perigo do microrganismo reside em algumas de suas características. A principal delas é que ele é resistente a medicamentos antifúngicos geralmente usados para combater o gênero Candida. Em alguns casos, já foram até mesmo identificadas cepas de C. auris que resistem às três principais classes de fármacos antifúngicos: polienos, azóis e equinocandinas. Por isso, o C. auris foi apelidado de superfungo.
Além disso, sua identificação requer métodos laboratoriais específicos, pois ela pode ser facilmente confundida com outras leveduras. Ela também pode permanecer por longos períodos no ambiente e é resistente a vários desinfetantes. Uma vez contaminado pelo fungo, o paciente pode sofrer infecção na corrente sanguínea, o que pode ser fatal, principalmente para quem tem comorbidades, alerta a Anvisa.
Em resposta ao caso na Bahia, a agência organizou uma força-tarefa com órgãos de saúde pública e segurança sanitária. “Uma investigação epidemiológica será conduzida pelo estado e município de Salvador para verificar se existe a contaminação de outras pessoas do serviço de saúde”, anunciou no alerta.
Apesar deste ser o primeiro caso diagnosticado no Brasil, o fungo já é bem conhecido em outras regiões da América Latina. Em outubro de 2016, por exemplo, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) publicou um alerta sobre os surtos de Candida auris no continente.
O fungo foi identificado pela primeira vez em 2009 no canal auditivo de uma paciente no Japão. Desde então, houve casos identificados em países como Índia, África do Sul, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos, Israel, Paquistão, Quênia, Kuwait, Reino Unido e Espanha. Em 2016, a Opas, braço da Organização Mundial da Saúde para a América Latina e o Caribe, publicou um alerta recomendando a adoção de medidas de prevenção e controle por causa de surtos relacionados ao fungo na região. O primeiro surto da região ocorreu na Venezuela, entre 2012 e 2013, atingindo 18 pacientes. Além disso, o C. auris costuma ser confundido com outras infecções, levando a tratamentos inadequados. “O C. auris sobrevive em ambientes hospitalares e, portanto, a limpeza é fundamental para o controle. A descoberta (do fungo) pode ser uma questão séria tanto para os pacientes quanto para o hospital, já que o controle pode ser difícil”, explicou a médica Elaine Cloutman-Green, especialista em controle de infecções e professora da University College London (UCL).
Nem todos os hospitais identificam o C. auris da mesma maneira. Às vezes, o fungo é confundido com outras infecções fúngicas, como a candidíase comum. Em 2017, uma pesquisa publicada por Alessandro Pasqualotto, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, analisou 130 laboratórios de centros médicos de referência na América Latina e descobriu que só 10% deles têm capacidade de detecção de doenças invasivas de fungos de acordo com padrões europeus. Segundo a Anvisa, o surto em 2016 em Cartagena, na Colômbia, é um exemplo de como o microrganismo é difícil de identificar. Cinco casos de infecção foram identificados como três fungos diferentes até um método mais moderno de análise diagnosticar o patógeno corretamente como C. auris. Além disso, o C. auris é muito resistente e pode sobreviver em superfícies por um longo tempo. Também não é possível eliminá-lo usando os detergentes e desinfetantes mais comuns. É importante, portanto, utilizar os produtos químicos de limpeza adequados dos hospitais, especialmente se houver um surto. Em alerta emitido em 2017, a Anvisa explicou que não se sabe ao certo qual é o modo mais preciso de transmissão do fungo dentro de uma unidade de saúde. Estudos apontam que isso pode ocorrer por contato com superfície ou equipamentos contaminados e de pessoa para pessoa. O maior surto ligado ao C. auris ocorreu em 2015 em Londres, com 22 pacientes infectados e outros 28 colonizados. Resistência a medicamentos A resistência aos antifúngicos comuns, como o fluconazol, foi identificada na maioria das cepas de C. auris encontradas em pacientes.
Isso significa que essas drogas não funcionam para combater o C. auris. Por causa disso, medicações fungicidas menos comuns têm sido usadas para tratar essas infecções, mas o C. auris também desenvolveu resistência a elas. “Há registro de resistência à azólicos, equinocandinas e até polienos, como a anfotericina B. Isso significa que o fungo pode ser resistente às três principais classes de drogas disponíveis para tratar infecções fúngicas sistêmicas”, explicou o epidemiologista e microbiologista Alison Chaves, no Twitter.
Análises de DNA indicam também que genes de resistência antifúngica presentes no C. auris têm passado para outras espécies de fungo, como a Candida albicans (C. albicans), um dos principais causadores da candidíase (doença comum que pode afetar a pele, as unhas e órgãos genitais, e é relativamente fácil de tratar).