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Pesquisa sobre proxalutamida causou 200 mortes no Amazona

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), através da Rede Latinoamericana e do Caribe de Biótica, veio à público no último sábado, 9, denunciar “infração ética gravíssima” no Brasil, nos estudos sobre proxalutamida. A denúncia foi apresentada no dia 3 de setembro pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e demonstra indícios de irregularidades na condução do estudo “The Proxa-Rescue AndroCoV Trial”. Liderado pelo endocrinologista Flávio Cadegiani e patrocinado pela rede de hospitais privada Samel, 200 mortes foram contabilizadas no percurso do estudo no Amazonas.

A Unesco  considerou que a denúncia de 200 mortes de voluntários de uma pesquisa clínica com a proxalutamida feita no Amazonas, se confirmada, será um dos “mais graves e sérios episódios de infração ética” e “violação dos direitos humanos” de pacientes na história da América Latina. A instituição pede investigação profunda sobre o caso.

Um documento foi divulgado sábado (9) por meio da Rede Latino-americana e Caribenha de Bioética (Redbioética-Unesco). Ele se refere à denúncia feita pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) à Procuradoria-Geral da República no mês passado. A entidade regula a participação de seres humanos em pesquisas científicas no Brasil.
De acordo com a rede de bioética da Unesco, a denúncia da Conep inclui graves violações dos padrões éticos durante o estudo com a proxalutamida.

São criticados a ocultação de informação sobre os locais, número de participantes, entre outros. Eles reforçam que mudanças de protocolo deveriam ser aprovadas pela Conep, órgão regulador do local.

É condenado no documento, também, que as equipes não apresentaram análise crítica da pesquisa e, mesmo com o aumento no número de mortos, terem optado por continuar com a implementação da pesquisa clínica.
Ocultação de detalhes

A Unesco ainda considera grave a ocultação da existência de comitês de pesquisadores independentes que trabalhavam diretamente com os patrocinadores, o que constituiria conflito de interesses.

“É urgente que, se comprovadas as irregularidades, sejam investigados e responsabilizados ética e legalmente todos os envolvidos, incluindo equipes de pesquisa, bem como instituições responsáveis e patrocinadores, nacionais e estrangeiros”, afirma.

Os pesquisadores da Unesco solicitam que a denúncia seja monitorada, divulgada e acompanhada pela comunidade internacional e pela imprensa.

“É urgente identificar as causas das mortes ocorridas durante os estudos. É inaceitável que esses tipos de eventos, se verificados, estejam acontecendo no ano de 2021”, diz.

Para a UNESCO “nenhuma emergência sanitária, nem contexto político ou econômico, justifica acontecimentos com os que vieram à público”. A agência da ONU afirma ainda que o acontecimento pode ser um dos episódios mais graves de infração da ética na investigação na América Latina, assim como sérias violações de direitos humanos.

O uso do medicamento proxalutamida é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Entre as denúncias feitas pela CONEP ao Ministério da Saúde estão a falta de análise crítica que permita compreender a causa mortis direta, a falta de documentos ou justificativas para o elevado índice de óbitos, além de sucessivas notas com números equivocados dos óbitos e aumento do grupo de participantes sem aprovação da comissão. O documento aponta também insuficiência renal e hepática como causa dos falecimentos ocorridos.

O Sistema CEP/Conep é responsável pelas decisões de caráter ético do desenvolvimento de pesquisas com seres humanos, de modo a subsidiar e resguardar a integridade e os direitos dos participantes. A UNESCO clamou para que a comunidade internacional acompanhe a denúncia.

No relatório encaminhado à Procuradoria Geral da República (PGR), a Conep concluiu que os responsáveis pelo estudo desrespeitaram quase todo o protocolo aprovado pela comissão em 27 de janeiro.

Havia autorização para que a pesquisa científica fosse realizada com 294 voluntários em Brasília. Mas, segundo a comissão, o protocolo começou a ser aplicado no Amazonas em fevereiro sem autorização. No total de 645 pessoas.

O perfil dos voluntários mortos também não era compatível com o perfil clínico dos pacientes registrados no estudo.

No caso, a proxalutamida deveria ter sido administrada em pacientes que estivessem em quadros leves e moderados de Covid-19.

Os resultados, contudo, mostraram que as mortes foram atribuídas a insuficiência renal ou hepática, características de pacientes muito graves.

O que é proxalutamida

A proxalutamida é uma droga experimental estudada para aplicação em pacientes com alguns tipos de câncer, como o de próstata, pois bloqueia a ação de hormônios masculinos. Ela tem sido defendida pelo presidente Jair Bolsonaro contra a Covid-19, assim como fez anteriormente com a cloroquina e a ivermectina, remédios sem eficácia contra o coronavírus.

No dia 2 de setembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), suspendeu, de maneira cautelar, a autorização de importação e uso de proxalutamida no país. Segundo o órgão, há indícios de que os documentos que faziam a Agência autorizar a importação tenham sido fraudados.