O presidente, durante a transmissão ao vivo, defendeu o trabalho infantil ao usar o próprio exemplo e declarou que “o trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade”, mas que não apresentaria nenhum projeto de lei para descriminalizar a prática por saber que “seria massacrado”.
Em entrevista para a Revista Crescer, em março de 2015, a mãe do presidente, Olinda Bonturi Bolsonaro, e o irmão dele, Renato, contaram memórias que desmentem essas afirmações. Segundo Renato, o pai deles, Geraldo, “tinha o estilão dele, boêmio”, “mas nunca deixou um filho trabalhar, porque achava que filho tinha que estudar”. A afirmação contradiz frontalmente o que foi dito pelo presidente Bolsonaro em sua live nas redes sociais.
Renato conta ainda mais uma parte da história que põe em xeque as afirmações do presidente da República. O pai deles era dentista prático. Embora não tivesse diploma de dentista, fazia todo o tratamento. Isso desde antes de os filhos nascerem. Quando Bolsonaro e os cinco irmãos nasceram, a família, que vivia em Campinas, decide se mudar para o Vale do Ribeira, então lugar pobre, sem dentistas.
“Meu pai pingava de cidade em cidade”, contou Renato. “Quando chegava à cidade, era o salvador. Tirava dente, fazia dentadura, tratamento dentário”, completou. Não parece mesmo o perfil de alguém que trabalhava em uma fazenda colhendo milho ou qualquer outro plantio.
Hoje, a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos, Damares Alves, tentou amenizar a situação dizendo que Bolsonaro não quis defender o trabalho infantil. Mas a fala do presidente foi amplamente criticada por afrontar a Constituição e as convenções da Organização Internacional do Trabalho. Ratificadas pelo Brasil, essas convenções dispõem sobre a idade mínima de ingresso no mercado de trabalho aos 16 anos – ou como aprendiz, a partir dos 14 anos.
“Ao defender o trabalho infantil, Bolsonaro também está defendendo a exploração de crianças e adolescentes no tráfico de drogas e a exploração sexual Infantil, que são algumas das piores e mais perversas formas de trabalho infantil”, disse o advogado Ariel de Castro Alves, integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo e ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
A defesa de Bolsonaro da liberação do trabalho infantil confronta ainda a afirmação do presidente quando questionado sobre o desemprego no Brasil, que em maio já atingia 13 milhões de pessoas.
“Tenho pena, tenho. Faço o que for possível, mas não posso fazer milagre, não posso obrigar ninguém a empregar ninguém”, disse, eximindo-se da responsabilidade pela recuperação da economia e a criação de postos de trabalho no país.
Em nota divulgada nesta sexta-feira (5), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) manisfestou repúdio às declarações do presidente da República em defesa do trabalho infantil.
Para a entidade, Bolsonaro demonstra desconhecer por completo a realidade de mais de dois milhões de crianças e adolescentes massacrados pelo trabalho em condições superiores às suas forças físicas e mentais.
A Anamatra lembra, ainda, que o Brasil tem 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalhando, de acordo com dados do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016), o que representa 6% da população (40,1 milhões) nessa faixa etária. Desse universo, 1,7 milhão exercem também afazeres domésticos de forma concomitante ao trabalho e, provavelmente, aos estudos.
“O que os cidadãos brasileiros aguardam é que o Governo Federal desenvolva políticas públicas de reinserção de 45 milhões de adultos desempregados e subutilizados ao mercado de trabalho.”